Seja muito bem vinda ou bem vindo, meu nome é Marcelo Cafiero e este é o Hiperativo, um espaço para reflexão sobre temas diversos a partir de textos literários ou informativos. Hoje quero refletir sobre a disputa pelas ideias.

PARTE I – HUXLEY (1946)

Nos últimos trinta anos, não tem havido conservadores, apenas radicais nacionalistas da direita e radicais nacionalistas da esquerda. O último esta­dista conservador foi aquele que escreveu uma carta ao The Times sugerindo que a Primeira Guerra Mundial deveria ser concluída por meio de um acordo, como o tinham sido, em sua maioria, as guerras do século XVIII, o diretor daquele jornal historicamente conservador recusou-se a publicá-la. Os radicais nacionalistas impuseram sua vontade, com as consequências que todos conhecemos — bolchevismo, fascismo, inflação, depressão, Hitler, Segunda Guerra Mundial, ruína da Europa e fome quase universal.

Supondo, pois, que seremos capazes de aprender tão bem com Hiroshima como nossos antepassados aprenderam com Magdeburgo, podemos esperar um período não de paz, na verdade, mas sim de guerra limitada e apenas parcialmente destrutiva. (…) É provável que todos os governos do mundo venham a ser quase que completamente totalitários mesmo antes da utilização da energia nuclear; que o serão durante e após essa utilização, parece quase certo. Só um movimento popular em grande escala pelas descentralização e iniciativa local poderá deter a atual tendência para o estatismo. Atualmente, não existe nenhum sinal de que venha a ocorrer tal movimento.

Não há, por certo, nenhuma razão para que os novos totalitarismos se assemelhem aos antigos. O governo pelos cassetetes e pelotões de fuzilamento, pela carestia artificial, pelas prisões e deportações em massa, não é simplesmente desumano (ninguém se importa muito com isso hoje em dia); é, de maneira demonstrável, ineficiente — e numa época de tecnologia avançada a ineficiência é o pecado contra o Espírito Santo. Um Estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que os chefes políticos de um Poder Executivo todo-poderoso e seu exército de administradores controlassem uma população de escravos que não tivessem de ser coagidos SIMPLESMENTE porque amariam sua servidão. 

PARTE II – COMENTÁRIO

O texto que abre este episódio está no prefácio da segunda edição de Admirável Mundo Novo, publicada em 1946, pouco após o final da Segunda Grande Guerra. Ele traz previsões assustadoramente precisas sobre a organização da sociedade nos anos que nos separam daquela data.

Vivemos um acirramento dos debates políticos sobre o futuro do país. Por mais que isso possa parecer um avanço, onde antes criticava-se a alienação do povo que só pensava em seus representantes a cada dois anos, antes de contribuir para o aprofundamento dos debates, o que houve foi o acirramento e a impossibilidade de reflexão de qualquer forma. Assim como no texto de Huxley, independente do espectro político, o grupo que se estabelece no poder quer lá continuar não mais pela imposição da força (pois essa se mostrou ineficaz), mas pelo domínio da retórica, querem apenas fazer com que o povo torne-se um conjunto de escravos que amam a servidão. Interessante também é a análise que o autor faz das relações entre os fatos da Primeira Guerra e o surgimento de movimentos nacionalistas que levaram a Segunda Guerra. É isso que recorrentemente falhamos em aprender: a imposição de penúrias através da superioridade da força, da economia ou da retórica favorece o enrigecimento das práticas. O que nos leva ao conto “A guerra dos Palhaços”, do moçambicano Mia Couto.

Originalmente escrito ao final de outra guerra, a Guerra Civil de Moçambique, que ocorreu entre os anos de 1977 e 1992, o conto apresenta uma das característica dos conflitos: muitas vezes assumem-se lados sem a compreensão da desavença. O prazer sádico pelo espetáculo da violência, das agressões sem sentido (reais ou virtuais), é mola que impulsiona o engajamento na própria violência. Espectadores tornam-se parte e vítimas da contenda.

PARTE III

A Guerra dos Palhaços – Mia Couto