[et_pb_section][et_pb_row][et_pb_column type=”4_4″][et_pb_text]

Parados do lado de fora da construção, os dois homens destoavam do resto do cenário. Vestiam-se com ternos elegantes, finamente recortados. Um, a não ser pela camisa, quase que inteiramente de branco, do chapéu ao bico do sapato. O outro, parecia mais preocupado com a discrição e os tons escuros de sua roupa o escondiam mais naquele beco escuro e sujo. De latões de lixo vinha o cheiro de matéria em decomposição, urina e cerveja. A luz do poste do início da rua mal tinha forças para atingir o ponto onde os dois se encostavam em uma das paredes altas do galpão de onde vinha a música que dominava os sons do ambiente. Há mais de três metros de altura, algumas janelas permitiam a passagem de fachos de luz colorida que indicavam o baile que acontecia.

_ Você sabe que não concordo com isso, Alex  – disse o que vestia preto. Nosso compromisso é em outro lugar. Se o chefe descobre.

_ Não venha você querer ser santo agora! Bem eu sei dos seus desejos também! Além do mais, o chefe sabe dos nossos pecados, ou não nos contrataria!

Dito isso, o homem saltou de uma só vez até uma das janelas e entrou no baile

A fumaça que envolvia o ambiente, as luzes inebriantes e a música alta contribuíram para ocultar a chegada do homem ao salão. Mas ele não queria passar despercebido. Não. Não estava ali à trabalho. Estava para ser notado. Estava por pura vaidade, um dos pecados de sua lista de condenações. Caminhava entre dançar, esquivar e observar. Seu objetivo, claro, era o centro da pista.

No caminho, viu uma moça que chamou sua atenção. Ela não dançava bem, estava em um canto da quadra. Sua falta de jeito e incapacidade de identificar os momentos certos de mover a perna de modo a acompanhar as batidas da música afastavam os pretendentes que eram atraídos por sua beleza. Alex a pegou pela mão, conduziu seus passos e com as pontas dos dedos instruiu sobre o rítmo da música. Logo, os dois eram um só corpo em movimento. Ele sentia os olhares de todos, impressionados com seus passos, desejosos da maneira como seus corpos se envolviam e moviam. Luxúria também estava na sua lista.

As músicas se seguiam e ele já estava enfastiado daquele momento. Conhecia o repertório do local, vinha observando há algum tempo e aguardando o dia em que teria a oportunidade de sair de sua clausura e divertir-se entre os mortais. O concurso de dança se iniciaria logo após a meia noite, já não precisaria mais de sua parceira. Não tinha interesse algum em dividir os holofotes. Assim que a deixou, ela voltou a sua condição anterior, incapaz de coordenar as batidas da música com os movimentos de seu corpo, mas quase ninguém percebeu esse fato

Em um movimento coordenado, a multidão abriu espaço à frente do palco para os bailarinos. Vários homens e algumas mulheres se alinharam ali. Aos poucos, o locutor ia retirando aqueles que os jurados eliminavam. Passados alguns minutos restaram dois.

Em seu próprio delírio, Alex mal havia reparado no rapaz moreno, vestido com calça branca de linho, camisa social preta e suspensórios que permanecia contra ele. Seus pés deslizavam com facilidade pelo piso da quadra, cruzando as linhas que delimitavam o espaço onde, pela manhã, com vestimentas muito diferentes, praticantes de futebol brincariam outra arte. A calça de linho movimentava de maneira a destacar ainda mais a habilidade do rapaz. Em alguns pontos da quadra, começou-se a ouvir: “Pato! Pato! Pato!”. Certamente, esse era o apelido de seu inimigo. Inveja, não pensou que ela o atacaria ali.

Os jurados não conseguiam se decidir entre aqueles dois, pareciam ambos conduzidos pela música. Os demais presentes na quadra olhavam hipnotizados, certamente seria uma noite para entrar para história. A qualquer sinal de deslize de um dos bailarinos todos prendiam a respiração. Aquilo já estava indo longe demais! Quem aquele garoto pensava que era? Cedendo a pensamentos que o distanciaram da música ambiente, Alex esqueceu-se das precauções e um movimento de cabeça derrubou seu chapéu. Ele não percebeu, continuou dançando até que a própria música parou. O silêncio tomou conta do local. Ele olhou ao redor. A garota, com quem havia dançado pouco tempo antes, soltou um grito ao perceber o par de chifres na cabeça agora descoberta.

Ira, foi o pecado que o moveu a empurrar o rapaz com força contra a mesa de controle, causando um breve apagão das luzes piscantes. A penumbra que envolveu o ambiente deu oportunidade para sua fuga. Ele correu e pulou pela mesma janela que havia chegado.

Lá fora encontrou o homem de terno escuro que ainda o esperava sentado em um canto. O sorriso nos lábios indicava que ele percebera o que havia acontecido e se divertia com o infortúnio do companheiro. O homem levantou-se e caminhou calmamente até Alex enquanto o sorriso transformava-se em uma gargalhada.

“Eu fiquei entediado”, disse ele enquanto esticava para Alex uma folha de contrato na qual constava a assinatura de um rapaz que queria ser o vencedor do concurso de dança na Quadra da Vilarinho.

http://www.megafono.host/podcast/hiperativo/11-capeta-do-vilarinho-hiperativo
[/et_pb_text][/et_pb_column][/et_pb_row][/et_pb_section]