O título desse programa é uma referência a uma música da banda Jota Quest, mas é possível não temer nada? O medo é matéria de tanta produção literária, cinematográfica, até mesmo esportiva. E você, tem medo do quê?

Esse episódio integra a campanha Outubro Mês do Medo, do podcast O Contador de Histórias, do Danilo Tranquilo. Para conhecer outros programas com essa temática, basta pesquisar por #outubromesdomedo no twitter.

Parte 1 –  Fear of the Dark – Iron Maden

Você já correu seus dedos pela parede e sentiu a pele de sua nuca arrepiar quando está procurando pela luz? Algumas vezes quando você está com medo de olhar no canto da sala Você sente que alguma coisa está lhe observando?

Você alguma vez já esteve sozinho a noite pensou ouvir passos por trás e quando virou de costas, não havia ninguém lá? E enquanto você acelera seu passo você achará difícil olhar de novo, porque você tem certeza de que há alguém lá?

Assistindo filmes de terror na noite anterior debatendo sobre bruxas e folclore os problemas desconhecidos na sua mente talvez sua mente esteja pregando truques você sente, e subitamente seus olhos fixam em sombras dançando por trás de você

Parte 2 – Abertura

Bem vindos e obrigado a todos pela audiência, eu sou Marcelo Cafiero e este é o Hiperativo, um espaço para reflexão sobre temas diversos. Hoje, me unindo a ação iniciada pelo Danilo Tranquilo do Contador de Histórias, o nosso tema é o medo

Parte 3 – Ser ou não ser

Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre

Em nosso espírito sofrer pedras e setas

Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,

Ou insurgir-nos contra um mar de provações

E em luta pôr-lhes fim? Morrer.. dormir: não mais.

Dizer que rematamos com um sono a angústia

E as mil pelejas naturais-herança do homem:

Morrer para dormir… é uma consumação

Que bem merece e desejamos com fervor.

Dormir… Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:

Pois quando livres do tumulto da existência,

No repouso da morte o sonho que tenhamos

Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita

Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios.

Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo,

O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso,

Toda a lancinação do mal-prezado amor,

A insolência oficial, as dilações da lei,

Os doestos que dos nulos têm de suportar

O mérito paciente, quem o sofreria,

Quando alcançasse a mais perfeita quitação

Com a ponta de um punhal? Quem levaria fardos,

Gemendo e suando sob a vida fatigante,

Se o receio de alguma coisa após a morte,

–Essa região desconhecida cujas raias

Jamais viajante algum atravessou de volta –

Não nos pusesse a voar para outros, não sabidos?

O pensamento assim nos acovarda, e assim

É que se cobre a tez normal da decisão

Com o tom pálido e enfermo da melancolia;

E desde que nos prendam tais cogitações,

Empresas de alto escopo e que bem alto planam

Desviam-se de rumo e cessam até mesmo

De se chamar ação.

Parte 4 – Comentário

Ei medo, eu não te escuto mais! Você não me leva a nada

Uma música famosa do Jota Quest tem essa passagem, mas será mesmo que o medo não nos leva a nada?

Lá nos anos 90, existia um joguinho muito viciante chamado Lemmings (quem escuta e é mais jovem, talvez não se lembre). Basicamente, o objetivo era conduzir um grupo de criaturinhas (os Lemmings) através de obstáculos. O problema é que os Lemmings eram muito “destemidos”, não tinham medo de penhascos, água ou lava. Então, a tarefa do jogador era evitar que eles morressem, ou, pelo menos, completar a fase com o mínimo possível de vítimas.

Conclusão da nossa fábula, o medo nos leva a alguma coisa. Nos leva a sobreviver como espécie, sem pular de penhascos, nos atirarmos na boca de um leão. A passagem mais famosa da história da literatura inglesa, quando Hamlet segurando um crânio em sua mão divaga “ser ou não ser…” aborda justamente o medo: o medo da morte que nos mantem vivos, afinal, se tivéssemos a certeza de que, ao deixarmos esse corpo, nos encaminharíamos para um lugar melhor, mágico, um paraíso, teríamos motivos para continuar sofrendo as mazelas que o mundo nos impõe?

Parte 5 – Os Gatos de Ulthar – HP Lovecraft (adaptado)

É dito que em Ulthar, que repousa além do rio Skai, ninguém pode matar gatos. Muito antes que os habitantes proibissem o assassinato dos gatos, ali habitava um velho caseiro e sua esposa, que extraíam prazer da captura e morte dos gatos de seus vizinhos. Porque eles faziam isso, eu não sei; salvo que muitos odiavam a voz noturna dos gatos, e aborreciam-se com os gatos correndo furtivamente nas chácaras e jardins, durante o crepúsculo. Porém, qualquer que fosse a razão, estes velhos sentiam prazer em capturar e matar todos os gatos que chegavam perto de sua cabana; e deduzindo a partir dos sons que ouviam após o escurecer, muitos aldeões imaginavam que o modo de assassinato era excessivamente peculiar. Quando, devido a algum deslize inevitável, um gato sumia, e sons eram ouvidos após o escurecer, aquele que perdera o gato lamentaria impotente; ou consolar-se-ia agradecendo ao Destino por não ter sido uma de suas crianças a desaparecer. Pois o povo de Ulthar era simples, e não sabia da origem dos gatos.

Um dia, uma caravana de estranhos andarilhos do Sul entrou pelas ruas estreitas e calcetadas de Ulthar. Qual a terra natal desses viandantes, ninguém sabia dizer; mas parecia que eram dados a estranhas rezas, e que haviam pintado nos lados de seus vagões, estranhas figuras de corpos humanos e cabeça de gatos, falcões, carneiros e leões.

Havia nesta singular caravana um garotinho, sem pai nem mãe e apenas um minúsculo gatinho preto para cuidar. A praga não havia sido bondosa com ele, mas o deixara aquela coisinha felpuda para mitigar-lhe a tristeza; e quando se é muito jovem, encontra-se muito alívio nos brinquedos agitados de um gatinho preto. Assim o garoto, que o povo escuro chamava de Menes, mais sorria que chorava, quando sentava a brincar com seu gracioso gatinho, na entrada de um vagão de estranha pintura.

    Na terceira manhã da estadia dos viandantes em Ulthar, Menes não conseguiu achar o gatinho; e chorou alto na praça do mercado, até que certos aldeões contaram-no sobre o velho e sua esposa, e sobre os sons ouvidos na noite. E quando o garoto ouviu estas coisas, seu choro deu lugar à meditação, e finalmente às rezas. Ele esticou seus braços em direção ao sol e rezou numa língua que aldeão algum poderia compreender; embora na verdade não se esforçassem muito para isto, já que sua atenção estava mais tomada pelo céu e pelas esquisitas formas assumidas pelas nuvens. Era algo bastante peculiar, mas conforme o garotinho declamava seu pedido, parecia que formavam-se acima figuras sombrias e nebulosas de coisas exóticas; criaturas exóticas coroadas de discos ladeados por chifres. A natureza é tão cheia dessas ilusões que impressionam os imaginativos.

    Naquela noite os viandantes deixaram Ulthar e jamais foram vistos novamente. E os residentes ficaram perturbados, quando notaram que em toda a aldeia, não havia um só gato a ser encontrado. De cada lar, o gato familiar havia sumido; gatos grandes e pequenos, negros, cinzas, listrados, amarelos e brancos. O velho burgomestre Kranon jurava que o povo escuro havia roubado os gatos, por vingança da morte do gatinho de Menes; e amaldiçoava a caravana e o garotinho. Mas Nith, o tabelião magro, declarou que o velho caseiro e sua esposa eram pessoas mais suspeitas; porque seu ódio a gatos era notório e cada vez mais ousado. Ainda assim, ninguém ousou reclamar com o sinistro casal; mesmo quando o pequeno Atal, filho do estalajadeiro, jurou que vira no crepúsculo todos os gatos de Ulthar naquela execrável chácara sob as árvores, caminhando lenta e solenemente num círculo ao redor da cabana, aos pares, como se numa performance de algum desconhecido rito de feras.

    Foi então que Ulthar foi dormir sentindo uma raiva impotente; e quando o povo acordou de manhãzinha – olha só! Todos os gatos de volta a seus lares de costume! Grandes e pequenos, negros, cinzas, listrados, amarelos e brancos, nenhum deles estava faltando. Pareciam muito gordos e luzidios os gatos, e sonoros em seu contentamento ronronante. Os cidadãos debateram sobre a questão, muito espantados. O velho Kranon insistiu mais uma vez que o povo escuro os havia levado, já que os gatos não voltam vivos da cabana do ancião e sua esposa. Mas todos concordaram numa coisa: a recusa dos gatos em comer suas porções de carne e beber seus pratos de leite era excessivamente curiosa.

    Passou quase uma semana até que os aldeões notassem que não surgia luz à noite, vinda das janelas da cabana sob as árvores. Passada mais uma semana, o burgomestre decidiu superar seus medos e bateu à porta daquela habitação estranhamente silenciosa, cumprindo seu dever, embora ao fazê-lo tivesse o cuidado de trazer Shang, o ferreiro, e Thul, o cortador de pedras, como testemunhas. E quando derrubaram a frágil porta, encontraram apenas isto: dois esqueletos humanos de ossos limpos no chão de terra batida, e muitos besouros esquisitos rastejando pelos cantos escuros.

    Depois disso houve muita conversa entre os habitantes de Ulthar. E no final, os habitantes aprovaram aquela notável lei, que é comentada por comerciantes de Hatheg e discutida por viajantes em Nir; aquela lei que dizia que em Ulthar, ninguém pode matar gatos.

Parte 6 – Encerramento

Esse foi o sétimo episódio do Hiperativo e tem sido uma experiência bem legal produzir esse formato tão diferente do Entre Fraldas, que faço junto com o Rodrigo.

Agradeço imensamente a todos os retornos que tenho recebido, ao Hernane, que disse que este é um dos podcasts no topo de sua lista. À Ana Elisa, do PodProgramar, que disse que o episódio sobre tempo a fez pensar muito. Comentário muito parecido também ao da Iêta, minha mãe.

Ainda não tenho muitos ouvintes por aqui, mas todos esses retornos me animam a continuar, obrigado mesmo galera.

O texto que abriu este episódio é uma tradução livre da música “Fear of the Dark”, do Iron Maden (uma das minhas bandas favoritas). Depois, claro que todos reconheceram o trecho da novela Hamlet, de Shakespeare, interpretado pelo ator Daniel de Oliveira, eu não me atreveria a interpretar Shakespeare. Os Gatos de Ulthar é um conto do mestre H.P. Lovecraft.

Perceberam que esse foi o primeiro episódio sem textos de minha autoria, né? Acontece que eu sou muito cagão, não gosto nem um pouco de ficar com medo. Embora tenha o costume de ler textos de terror, assistir e escrever obras nesse gênero não é muito a minha praia.

Um abraço e até a próxima.

Musicas do Episódio

  • Fear of the Dark – Iron Maden
  • Konky Tonkin – Doug Maxwel
  • Long note One – Kevin MacLeod
  • Evil Plan – Kevin MacLeod
  • Thriller – Michael Jackson