Como conversar com crianças e adolescentes sobre Cyberbullying?
Cyberbulling , como ensinar crianças sobre consequências?
Levar crianças e adolescentes a perceberem a profundidade das consequências do cyberbulling é fundamental para o desenvolvimento da responsabilidade
A distância insensibiliza
Ainda no século XIX, o romancista português Eça de Queiroz escreveu a história de Teodoro, um cidadão simples, que recebeu em certa noite uma proposta de um homem forte, vestido de preto, com chapéu alto e apoiado em um guarda-chuva:
“No fundo da China existe um mandarim mais rico que todos os reis de que a fábula ou a história contam. Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste. Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Será então um cadáver: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição de um avaro. Tu, que me lês e és um homem mortal, tocarás tu a campainha?”
Teodoro não resiste a tentação e aperta a campainha, dando fim ao pobre Ti Chin-Fu e herdando toda a sua fortuna. Depois de ter feito isso, passa a viver em riqueza, mas a culpa e a dor causada pela origem do dinheiro o perseguiam constantemente, como perseguiria qualquer um com o mínimo de honestidade e empatia. Mas Teodoro não era um homem mau, apenas alguém que cedeu a uma tentação. Se tivesse recebido um revólver para atirar no coração de Ti Chin-Fu certamente não o faria, muito menos golpearia o mandarim com facadas no peito, pois Teodoro não era mau.
O Mandarim e o Cyberbulling
Todos aqueles que trabalham com a educação já tiveram que lidar com conflitos desproporcionais entre crianças e adolescentes, quando um grupo (ou um indivíduo com maior influência) passa a promover agressões (verbais ou físicas), muitas vezes vistas como brincadeiras. Esse fenômeno passou a ser conhecido como bullying.
Nos últimos anos, as redes sociais trouxeram a existência do bullying virtual ou cyberbullying, que é uma prática semelhante, mas realizada através da internet. A possibilidade de agredir alguém remotamente pode ser responsável pelo acirramento de agressões e debates que presenciamos tantas vezes. Afinal, falar algo ofensivo com alguém que não se vê, não se escuta e talvez mesmo não se conheça parece ser menos penoso do que fazê-lo presencialmente.
A pesquisa Kids Tics Online, de 2018 (https://cetic.br/pesquisa/kids-online/publicacoes/) traz alguns dados para entendermos mais a profundidade do Cyberbullying:
- 22% das crianças e adolescentes afirmam terem sido tratados de forma ofensiva na internet
- 15% afirmam terem ofendido alguém em algum momento.
Quando se trata de presenciar situações de preconceito, a situação é ainda mais grave, 39% afirmam terem visto alguém ser discriminado na internet (sendo raça e aparência física os principais alvos de discriminação). Considerando o fato de a pesquisa ser de resposta espontânea, isto é, depende a própria percepção do adolescente sobre ofensa e discriminação, é bastante provável que esse número seja ainda maior.
Como lidar com o cyberbulling
É necessário manter um diálogo constante com as crianças sobre esse fato. Como diretor de escola, já recebi alunos tristes por não terem sido convidados para o grupo de WhatsApp da turma. Claro, que trata-se de um reflexo da exclusão que já vivenciavam em sala, mas ali era como um papel assinado da turma afirmando que ele não era bem vindo. Muitas discussões e, às vezes, brigas entre alunos, tiveram origem em agressões escritas em redes sociais. Caso perceba um deslize de seu filho (pois, como Teodoro, ele não é uma pessoa má, mas pode ser tentado), não trate como algo banal, converse e oriente como faria se a agressão fosse presencial.
Para que a internet seja segura para os nossos filhos, é preciso que ela seja segura para todos. Por isso, precisamos contrariar a conclusão final de Teodoro, de que “nenhum mandarim ficaria vivo, se tu, tão facilmente como eu, o pudesses suprimir e herdar-lhe os milhões”
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