O sétimo filho homem de uma mesma mulher, alguém mordido por outro lobisomem, ou simplesmente o filho de um pai lobisomem, muitas são as versões para essa lenda. Neste episódio, em diálogo com o Podcrastinadores S5E22, conto três histórias de lobisomens.

Lobisomem

Parte 1:

Era o sétimo filho de sua mãe e todos seus seis irmãos eram também machos. Cresceu sob o olhar de suspeita dos mais velhos, que julgavam cada uma de suas ações como indícios da maldição. Despertava a curiosidade dos mais jovens que, descrentes nas sandices dos anciãos, brincavam persenguindo-o, especialmente nas luas cheias. Muitos em seu grupo esperavam que ele tivesse sido abandonado, afinal, era de conhecimento comum que o sétimo a nascer em uma família em que houvesse outros seis também do sexo masculino tornaria-se um lobisomem.

Quando atingiu a puberdade começou a temer a transformação e vieram-lhe sonhos cada vez mais estranhos. Em noites de lua clara imaginava-se correndo pela floresta com panos rasgados cobrindo seu corpo. Sua percepção, completamente alterada, sentia cada pequena pedra em que pisava, e detalhes da aspereza do tronco das árvores. Via a luz da lua brilhando sobre as folhas caídas, era até mesmo capaz de enxergar o movimento de uma raposa marrom escondendo-se com sua passagem.

Na primeira vez em que acordou com panos fedendo a suor enrolados em seu corpo, percebeu que não eram apenas sonhos. Ouviu seus irmãos despertando, correu para esconder a prova de sua transformação nos arbustos mais próximos e foi juntar-se às brincadeiras. O que faria sua família se percebesse que a maldição se confirmou? O afastariam de seu convívio? O colocariam sob vigilância permanente? Ou pior, seria sacrificado pelo bem de todos? O medo tomou conta de seus pensamentos. Mas respirou fundo, escutou a própria respiração, precisava aprender a controlar a besta dentro de si, tornar-se consciente de seus atos.

Andanças noturnas

As noites se seguiam, sempre que a lua brilhava mais forte, ele se transformava e compreendia cada vez mais sua outra parte. Em suas andanças noturnas, passou a encontrar outros como ele e compreendia o que falavam. Passou a estudar seus hábitos. Embora também vivessem em grupos, dormiam em locais distantes uns dos outros, comiam frutos ou animais que preparavam no fogo. Todos carregavam consigo um grande bastão prateado para se defenderem de outras criaturas e o ensinaram como manuseá-lo. Após algum tempo, estava tão habituado à sua vida como besta que esquecia-se de sua outra forma até a manhã do dia seguinte.

Certa noite, quando, transformado em besta, havia acabado de sair de seu esconderijo, escutou rosnados de vários lados. “Lobos”, a palavra veio-lhe imediatamente à cabeça, ao todo, seis deles apareceram, cercando-o. Latiam e rosnavam, mas estavam exitantes para avançar. Isso deu-lhe tempo para preparar o bastão prateado. Apontou para um deles e disparou. Imediatamente, um cheiro forte encheu suas narinas. O inimigo tombou a sua frente, ele repetiu os movimentos seis vezes, até que todos estivessem mortos. Ao fim, caiu desmaiado pelo cansaço.

Acordou pela manhã sentindo um forte cheiro de sangue. Era novamente ele mesmo, um pelo branco acinzentado cobria a pele que era clara e macia na noite anterior. Levantou as orelhas, mas não ouvia seus irmãos. O forte cheiro de sangue invandiu novamente seu longo focinho. Foi então que percebeu a seu lado, caído, o bastão prateado. Horrorizado, sentiu o cheiro de seus irmãos mortos por ele na noite anterior, correu o mais rápido que pode para afastar-se dali…. o terror e a tristeza dominavam seus sentimentos quando ele finalmente parou e uivou sozinho.


Parte 2:

Comentário: Marcelo Cafiero

Bem vindos e obrigado a todos pela audiência, eu sou Marcelo Cafiero e este é o Hiperativo, um espaço para reflexão sobre temas diversos a partir de textos literários e informativos. Hoje, por influência do episódio 22 da 5ª temporada do Podcrastinadores, o nosso tema são Lobisomens.


Parte 3:

Nem bem acabara o saci de pronunciar estas palavras e Pedrinho notou grande rebuliço entre os sacizinhos. Parece que também pressentiram qualquer coisa, pois largaram das brincadeiras e desapareceram na floresta, como por encanto.

O mato começou a estalar como se algum animalão por ele viesse rompendo, e por fim surgiu na clareira a carantonha sinistra de um lobisomem. Parou, farejou o ar como se estivesse sentindo cheiro de carne humana. O saci, porém, tivera a precaução de emitir um certo cheirinho de enxofre, e isso iludiu o lobisomem, que continuou o seu caminho e passou. O cheiro de enxofre disfarça o da carne humana, explicou mais tarde o saci.

Apesar do medo que sentira, Pedrinho pôde notar que o monstro tinha a pele virada, isto é, o pêlo para dentro e a carne para fora — uma coisa horrível! No mais, era um perfeito lobo, embora de dimensões muito mais avantajadas.

Assim que o lobisomem deixou a clareira, o menino respirou um ah! de alívio e pediu ao saci que lhe contasse alguma coisa desses monstros.

— Dizem — respondeu o saci — que quando uma mulher tem sete filhos machos, o sétimo vira lobisomem na noite das sextas-feiras. Sai então pelos campos, invade os galinheiros (onde come um produto das galinhas que não é o ovo) e também assalta e devora os cães e as crianças que encontra pelo caminho. Se alguém ataca um lobisomem e corta-lhe uma das patas, ele vira imediatamente no homem que é — e esse homem fica por toda a vida aleijado do membro correspondente à pata cortada.

(LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci.)


Parte 4:

Comentário: Marcelo

Este programa é, de certa forma, um comentário sobre o episódio do Podcrastinadores que citei. O texto de abertura me ocorreu a partir de uma fala do Caruso sobre o fato de filmes de Lobisomem serem feitos para explorar essa tensão da transformação em um monstro… mas qual seria a sensação de um lobo que se visse transformado em homem?

O segundo texto é um trecho da obra de Monteiro Lobato. Lembrei dele em dois momentos durante o episódio do Podcrastinadores, o primeiro pela relação com o filme “O Grito de Horror” (The Howling). Quando a protagonista Karen White começa a concluir que está em uma “colônia de lobisomens”, percebe que um dos homens do grupo tem a mão amputada, como o lobisomem ferido na noite anterior… e segundo o Saci, do Lobato, uma maneira de derrotar o lobisomem e cortar-lhe um membro. Outro ponto é a observação do Pedrinho sobre o lobisomem ser “do avesso”, com os pelos para dentro e a carne para fora (eu só não sei como ele percebeu que os pelos estavam dentro…)

Serafim e seus filhos

Bom, vou encerrar o episódio com a música “Serafim e seus filhos”. Gosto muito de músicas que contam uma narrativa e essa é uma das mais legais que conheço. Sério, não deixem o ritmo de música caipira encobrir o quão sinistra é essa letra! Na verdade, não me lembro de nenhuma banda de metal nacional que tenha conseguido compor algo tão sombrio, não sei como isso ainda não virou um filme…

Para enviar sugestões e comentários, envie um email para podcasthiperativo@gmail.com. Você pode também entrar em contato comigo no twitter @marcelocafiero.

Ah! Se você gosta de histórias de Lobisomens, indico também o episódio #6 do Casos e Causos: “O Lobo Bate a Porta”, do Diogo Braga, com a participação também do Rodney Buchemi (onde tem Lobisomem ele aparece, sintomático isso!).


Parte 5:

São três machos e uma fêmea, por sinal Maria
Que com todos se parecia
Todos de olhar esperto para ver de perto
Quem de muito longe é que vinha
Filhos de dois juramentos, todos dois sangrentos
Em noite clarinha
Ê A Ô

O João quebra toco
Mané Quindim, Lourenço e Maria
Noite alta de silêncio e lua
Serafim o bom pastor de casa saía
Dos quatro meninos, dois levavam rifles
Outros dois levavam fumo e farinha
Bandoleros de los campos verdes
Dom Quixotes de nuestro desierto
Ê A Ô

Serafim bom de corte
Mané, João, Lourenço e Maria
Mas o tal Lourenço, dos quatro o mais novo
Era quem dos quatro tudo sabia
Resolveu deixar o bando e partir pra longe
Onde ninguém lhe conhecia
Serafim jurou vingança
Filho meu não dança, conforme a dança
Ê A Ô

E mataram Lourenço
Em noite alta de lua mansa
Todo mundo dessas redondezas
Conta que o tal Lourenço não deu sossego
Fez cair na vida sua irmã Maria
E os outros dois matou só de medo
Serafim depois que viu o filho Lobisomem
Perdeu o juízo
Ê A Ô

E morreu sete vezes
Até abrir caminho pro paraíso


Citados no episódio:


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